Dona Severina passou a manhã preparando um extrato de babosa para aplicar na pele do neto. No dia anterior, o menino passou tanto tempo exposto ao sol brincando no quintal que apresentou queimaduras leves. No último mês, um outro problema com ele fez com que a vovó precisasse viajar ao interior para trazer um “remédio”: com pedras nos rins, o garoto estava usando um líquido trazido da cidade de Caiçara do Rio dos Ventos, que tinha propriedades que contribuíam no combate ao incômodo, o chá de quebra-pedra.
Longe de ser papo de neto com saudade da avó, os casos são exemplos de utilização milenar de plantas com fins medicinais, “processo” conhecido como fitoterapia: todo produto farmacêutico, seja um comprimido, uma pomada ou cápsula, que utiliza como matéria-prima ativa extrato obtido de qualquer parte de uma planta com conhecido efeito farmacológico, pode ser considerado um medicamento fitoterápico. De tão disseminada, a fitoterapia é o único recurso terapêutico de cerca de 2/3 da população do planeta.
Contemporaneamente, o conhecimento tradicional das plantas medicinais, associado a técnicas avançadas, tem acelerado o processo de obtenção de novas moléculas bioativas e o desenvolvimento de medicamentos fitoterápicos. Atentos a esse panorama, cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) receberam, no último dia 20 de julho, a patente do processo para obtenção de extratos de Genipa americana Linnaeus e composição farmacêutica para o tratamento da inflamação.
Coordenadora do grupo de pesquisadores responsáveis pelo estudo, Silvana Maria Zucolotto pontua que o processo permite o desenvolvimento de insumos para suplementos alimentares, fitoterápico industrializado ou fitoterápico manipulado para utilização como auxiliar no tratamento de várias doenças que envolvem inflamação, principalmente no caso de doenças inflamatórias crônicas. “Muitas vezes o tratamento convencional com anti-inflamatórios não esteroidais ou anti-inflamatórios esteroidais não é bem tolerado por alguns pacientes, principalmente, por longos períodos de tratamento. Dentro desse contexto, os fitoterápicos podem ser uma alternativa terapêutica”, explica a professora do Departamento de Farmácia.
A Genipa é popularmente conhecida como Jenipapo e, sob o ponto de vista medicinal, todas as partes da planta são empregadas, seja como antidiarréico, antigonorréico e antidiabético, ou ainda em casos de sífilis, anemia, icterícia e asma. “Contudo, a partir do processo que desenvolvemos, há a aplicação inédita contra processos inflamatórios do extrato rico em flavonoides que obtivemos”, colocou Jovelina Samara Ferreira Alves. O invento é resultado da dissertação de mestrado dela, um estudo vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas (PPGCF) da UFRN defendido em 2014.
Orientada por Zucolotto, Jovelina foi responsável pelo processo de obtenção dos extratos, desde a coleta até secagem e caracterização fitoquímica do extrato de Genipa americana. Os demais inventores, Matheus de Freitas Fernandes Pedrosa, Mariana Angélica Oliveira Bitencourt e Maíra Conceição Jerônimo de Souza Lima, avaliaram o potencial efeito anti-inflamatório do extrato desenvolvido em modelo in vivo de inflamação, em camundongos.
Planta nativa brasileira, os principais usos do Jenipapo são para obtenção de madeira para construção civil e alimentos a partir dos frutos. Nesse contexto, o grupo destaca a importância de desenvolver um insumo com potencial efeito terapêutico, a partir de uma espécie nativa do país, com impacto direto na independência do Brasil na obtenção de insumos para a área.
As composições farmacêuticas feitas a partir do processo para obtenção de extratos podem ser apresentadas nas formas de xaropes, soluções, cápsulas, comprimidos e similares aplicados por via oral. “É importante ressaltar que atualmente não tem no mercado brasileiro um fitoterápico industrializado ou insumo que contenha como matéria-prima ativa vegetal o extrato de Genipa americana”, realça Silvana Maria Zucolotto.
Esta é a décima carta-patente conferida a cientistas da Universidade neste ano, o que aproxima a instituição de sua melhor performance anual neste aspecto, quando em 2019 alcançou 12 concessões. As cartas-patente conferem a propriedade intelectual dos inventos de titularidade da UFRN, para uso aplicado pelos interessados, mediante licenciamento. Como retorno, a Universidade recebe royalties, divididos com os inventores. Por outro lado, Daniel Pontes, diretor da Agência de Inovação (AGIR), frisa que o momento do depósito da patente já permite que a tecnologia esteja disponível para o setor produtivo aproveitá-la a fim de melhorar seus processos e fluxos de trabalho.
A proteção das tecnologias desenvolvidas por inventores da UFRN tem como objetivo não só resguardar os direitos patrimoniais da instituição frente aos investimentos intelectuais e financeiros despendidos durante o seu desenvolvimento, como também permitir que estes novos produtos e processos sejam licenciados por empresas que possam explorá-los comercialmente, gerando recursos para a instituição na forma de royalties que novamente serão investidos em inovação.
Além disso, patentear significa conferir à Universidade e ao pesquisador a justa precedência sobre o que foi desenvolvido, com a possibilidade de captação de recursos, via royalties, conforme Resolução 135/2018-CONSEPE da UFRN. Para além do retorno financeiro, Daniel Pontes destaca o retorno do reconhecimento intelectual. “O que é conhecido dentro da propriedade intelectual como direito moral, como sendo os inventores de uma dada tecnologia, o que se reflete no reconhecimento perante à sociedade da capacidade de desenvolvimento de tecnologias inovadoras por seus inventores da universidade como um todo”, explica.
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